Estar fechado no estúdio tendo por companhia o meu equipamento fotográfico e uma máquina de café enquanto oiço a chuva a cair lá fora é algo impagável. Ter também em mãos um relógio novo pronto a ser descoberto é a pátina em cima do bronze!
O dia amanheceu chuvoso e não consigo imaginar melhor maneira de o passar do que sossegado a fotografar um relógio mas este não era um relógio qualquer. Numa visita relâmpago a Sul, o meu caro André Sampaio, responsável pelo espaço Watch Garage, em Gaia, trouxe consigo alguns modelos da micro marca japonesa Kuoe.
Sediada em Kyoto, esta marca nipónica começou a ser representada em Portugal pela Watch Garage no final do ano passado mas confesso que, apesar de gostar bastante dos relógios, estava obcecado pela Doxa o que ofuscou a minha atenção por uns momentos. Outro dos factores que me fez ficar um pouco reticente em relação aos modelos Kuoe era o seu classicismo nos tamanhos disponibilizados - Ø35 e Ø38mm.
A história da Kuoe é simples: a ideia começou a germinar na cabeça de Kenji Uchimura enquanto estudante em Londres, nos idos de 2010, e uma década depois tornou-se o fundador e designer da marca. A Kuoe assume-se como inspirada na relojoaria vintage, com códigos clássicos e tamanhos igualmente clássicos, como já referi, e isto do tamanho vai ser importante.
Caros amigos, a dada altura da vida, todos nós – de qualquer género, sejamos correctos – sofremos do célebre problema da idade designado por PDI. Mas foi exactamente esse problema que me fez repensar as minhas ideias sobre os Kuoe.
Atenção que isto é uma casa séria! Por PDI quero dizer que os Pulsos Diminuem Imenso!
Quando era mais jovem e, claramente, um “ganda maluco”, tudo o que fosse abaixo de 42mm nem era considerado como opção. Gostava de robustez e de sentir o peso do relógio no pulso, que, na altura, era mais volumoso. Dois dos meus três relógios de eleição têm 42,5mm; o outro tem 42mm.
Com os anos, uma pessoa vai ficando mais “espaçosa” em certos lados mas também perde volume noutros – como nos pulsos. Por isso, foi com grande satisfação que incluí recentemente no meu modesto ajuntamento de relógios uma peça de 39,4mm que me tem feito questionar se não estaria no momento de começar a olhar para modelos de diâmetro mais contido visto que o gozo que tenho tido em usá-la tem sido crescente.
Retomemos ao início da história. Após uma barrigada de pizza e Fritz Kola numa dica excelente do Paulo, ganhei coragem e pedi ao André para me deixar um Kuoe para fotografar. Dos três modelos como opção não fomos capazes de decidir e deixámos a escolha ao sabor da sorte – o Kuoe que o André tirou do saco foi o eleito.
Calhou em destino um Old Smith 90-002 na versão com caixa em bronze e mostrador castanho. Um relógio perfeito para o outono, com uma correia NATO em verde seco e o maior tamanho que a Kuoe oferece: os tais Ø38mm. Vidro de safira abobadado, tampa do fundo em aço, coroa de rosca, mostrador levemente texturado e o alimentado pelo calibre Seiko NH38 – a versão “marca branca” do Seiko 4R38 aka um cavalo de trabalho sem data e sem rodeios.
Assolado pela crise de PDI fiquei agradavelmente surpreendido com o ajuste no pulso. Nada senti de pequeno apesar de estar habituado a peças maiores e mais volumosas. É um relógio dotado de um charme clássico, com acabamentos escovados e polidos, e um minimalismo que é uma das características que mais aprecio. Aliás, à excepção de um GMT, todos os meus relógios são 3 ponteiros/data.
O que também me conquistou foi a honestidade do produto. Não há artifícios. A coroa é deliciosa de manusear, as indicações são claras e legíveis, o vidro curvo é lindo em fotografia e à vista, estanque a 100 metros ou seja, é coisa feita para trabalhar. Se estamos a falar de "bang for the buck" então esta peça vale muitos "bangs for the buck".
Os, à partida, desmotivadores Ø38mm dos Kuoe tornaram-se numa agradável surpresa. Tanto que decidi que o meu próximo relógio será certamente feito em Kyoto... mas isso fica para outra história.
A sessão fotográfica foi absolutamente deliciosa. Se, como utilizador, a minha preferência vai para braceletes em aço ou cauchú, confesso que nada bate um relógio com uma correia NATO como modelo fotográfico pois a sua flexibilidade permite contorcionismos visualmente interessantes. O resto é um pouco mais do mesmo sendo a paixão pela criação de imagens apelativas o meu grande motivador.
Se nos próximos tempos se virem numa situação chuvosa num daqueles sonolentos dias de inverno, peguem num relógio vosso e em qualquer equipamento que tenham e tirem fotografias. Montem um pequeno cenário, que pode ser apenas uma textura de fundo, e explorem os vossos relógios visualmente. Acredito que se vão re-apaixonar por eles e, quer a fotografia, quer a relojoaria, têm tudo a ver com paixão.